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  • Foto do escritorRaul Otuzi

a_bsurda entrevista Marcelo Tomaz, designer e criativo

Atualizado: 26 de jul. de 2020

Se eu tivesse que escolher apenas duas palavras para descrever Marcelo Tomaz (e consequentemente os seus cartuns e trabalho, porque a sua criação é reflexo direto do seu jeito de ser), eu não teria dúvidas, eu escolheria: perspicácia e autenticidade.


Perspicácia porque o cara extrai o riso de coisas que aparentemente não tem graça nenhuma;  perspicácia para sacar rápido o que muitos demoram uma eternidade para entender; perspicácia para olhar, perceber, desvendar, transformar e criar algo que ao mesmo tempo incomoda e entretém . Perspicácia – junção de inteligência e sensibilidade.

Autenticidade porque Marcelo faz questão de ser cru. Ele não usa verniz para dizer aquilo que tem vontade. Não tem meias palavras, subterfúgios. Com ele, o papo é reto, a linguagem é direta e a transparência total. Marcelo é a pessoa mais sincera que eu conheço. Isso lhe traz alguns dissabores, não estamos acostumados com a verdade in natura, mas também lhe traz muitos admiradores, que reconhecem em sua genuinidade, uma maneira honesta, leve, limpa, sem culpas de se expressar e viver.


Conheci Marcelo quando ambos trabalhávamos na ETCO, agência que fazia campanhas para o Magazine Luiza. Eu era redator. Ele, diretor de arte. Ambos palmeirenses, a empatia foi instantânea, mesmo com a diferença de idade (sou quase cinco anos mais velho – aliás hoje é aniversário dele, viva!), mesmo com  as peças que ele me pregava. Sempre havia uma surpresa, algo que ele fazia para quebrar o ritmo maçante do dia a dia.


Uma vez, eu estava revisando o Jornalzão Luiza e no meio de uma relação enorme dos nomes de gerentes e endereços das lojas, havia um texto minúsculo, escondido: “texto pega-revisor, se você me achou, parabéns! Se não, estamos fodidos. Hahaha.”

Hahaha. Durante os nossos mais de 20 anos de amizade fui brindado inúmeras vezes com piadas e reflexões impagáveis que ele tirava da manga. Quantas conversas e revelações regadas a cerveja, parmesão e pimenta!


Ultimamente, por conta do fluxo maluco da vida, nós nos afastamos um pouco. Por isso, essa entrevista foi uma oportunidade de ouvir as palavras de Marcelo novamente. Acompanhem e se deliciem!



Você é designer, diretor de arte, cartunista, ilustrador, instrutor de defesa pessoal e idealizador do projeto Estações Brasileiras, que visa resgatar a história da rede ferroviária do Brasil. O que mais te motiva em todas essas atividades? E o que mais te motiva na hora de criar?

Sou um criador desde o nascimento. Tenho muita dificuldade com ambientes acadêmicos ou corporativos, onde tudo tem um método, um roteiro e uma margem ridícula para a atuação criativa verdadeira. A maioria das coisas nesses lugares me sufoca, me desanima, enfim, acho deprimente. Entendo que esse formato evita que muitos “cabeças de bagre” tendam a “criar” coisas desnecessárias que geram perda de tempo e de foco. Mas valorizo demais a liberdade, ao ponto de colocá-la em primeiro plano em todos os aspectos da minha vida, pessoal ou profissional. Acho que todo mundo deveria criar. Todo mundo deveria sentir na pele as delícias do reconhecimento e, claro, as “amarguras” das críticas, justas ou injustas. Isso posto, vamos às perguntas: Me motiva poder fazer as coisas que gosto, da maneira que penso e no tempo que quero. Crio os temas de acordo com as minhas necessidades. O design é a minha profissão, de onde tiro o meu sustento, a propaganda era o meu trabalho anterior, o cartum foi o meu ponto de partida para tudo, pois era uma tribuna aberta onde eu mostrava a todos as minhas formas de enxergar o mundo, a ilustração me levou para a propaganda e para o design, as lutas, defesa pessoal, facas e afins, também são atividades que pratico há bastante tempo e o tiro prático eu juntei ao pacote recentemente.

Tudo isso tem um viés que é, me alimentar diariamente de informações diferentes das que estamos acostumados a receber no nosso cotidiano. Com atividades tão distintas, conhecemos pessoas de personalidades distintas e formas de pensar idem, o que, se bem observado, triado e trabalhado, me fornecerá uma ótima base das nuances do comportamento humano, que me é uma ferramenta fundamental no design e na criação, seja ela em que nível for.


Ah, o Projeto Estações Brasileiras é algo maior, mais nobre, e que amo fazer. Me alimenta de vida, me coloca com os dois pés no chão e me coloca frente a frente com o belo e com o horrível em cada expedição, num espaço de poucos minutos, assim como em um brainstorm, onde ideias bestiais e bestas se sucedem até que uma delas “vença”.




Sobre motivação ao criar, é fácil! Me motiva o “ver pronto”, o saber que aquilo não existia antes de mim, que a partir do meu ponto de vista aquilo surgiu. Que num mundo ideal, eu colherei os elogios em caso de sucesso, mas também arcarei com as “cornetadas” em caso de fracasso. Enfim, nada me atrai mais do que colocar a cara a frente de um projeto, decidir A ou B, colorido ou PB, áudio ou vídeo, serifa ou sem serifa, clássico ou moderno, nada me dá mais prazer do que a possibilidade e autonomia de decidir e, claro, quase sempre acertar.


O que você faz para se manter criativo? Quais são suas referências e influências?

Faço cursos online. Huahuahua… Brincadeira! Crio gatilhos analíticos instantâneos full time. A cada frase dita por alguém, a cada pausa nessa frase, ou inflexão, eu mentalmente me proponho uma análise rápida, que vai da busca de uma piada, de um trocadilho, de uma rima, uma intervenção de duplo sentido, uma relação histórica, cultural, enfim, meu cérebro nunca desliga e está sempre analisando cada palavra dita ao meu redor, para saber se ela pode, de repente, se tornar algo criativo e me salvar de um job complicado durante a semana.

Também cuido da minha biblioteca mental de referências, as quais eu tomo cuidado para que sejam de tudo, menos design. No fundo, eu acredito que se eu me “alimentar” de outras fontes e devolver isso ao mundo como design, estarei sendo mais criativo do que me alimentando de design e devolvendo design pro mercado.

Lembra da história da minhoca que come terra e caga terra? Se pesquiso só design e ao final entrego design, sou esse verme aí. Quanto às referências, tenho várias, mas tento sempre subverter a regra do jogo que estou jogando, por exemplo: se estou no design, tento me referenciar no esporte e trazer algo novo e relevante para o projeto. Se estou lutando, gosto de observar elementos de fora do tatame e traçar paralelos que me permitam ir além das torções, socos e arremessos. Se estou atirando, minha mente está voando para algum lugar onde eu já tenha ido e me trazendo fragmentos desses locais e experiências, numa espécie de “reviagem”, o que me alivia da pressão do momento e consequentemente me faz render mais. Sabe o nosso Palmeiras? O dia que ele tirar de si a cobrança monumental pela conquista do tal “mundial”, certamente ganhará dois, três, cinco… Mas tem que conseguir desviar o foco da cobrança, mantendo o foco no resultado final. Agora, sobre influências, bem, sou muito influenciado pelo fenômeno das redes sociais e a forma com que elas transformam gente realmente interessante em sorridentes avatares tomadores de vinhos que viajam o mundo e gente desinteressante em grandes influenciadores digitais, com hordas de seguidores igualmente desinteressantes.


Você pode descrever como funciona o seu processo criativo? Existem fases? Qual a função do humor nesse processo?

A minha forma de criar está diretamente relacionada com a vontade de não passar vergonha fazendo um trabalho ruim. Sendo assim, todas as fases anteriores a materialização de um conceito, visam eliminar quaisquer falhas ou pontos fracos que possam existir na ideia durante o processo criativo. Tudo é passível de crítica, tudo é desconstruído, atacado, ridicularizado, provocado e, se passar por isso tudo de maneira aceitável, OK, vai para o cliente. Na minha equipe não há retrabalho. São quinze anos de dedicação à uma estruturação conceitual tão sólida, que nossos índices de refação são praticamente ZERO. Outra coisa que não há é melindre. Criou algo ruim e me mostrou, vai ouvir piadas sobre “a obra” por no mínimo UM ANO. Acredito no humor como forma de ensinar sem machucar, pelo menos não fisicamente, rerere…




Às vezes dá aquele ‘branco’? O que fazer?

Não. Branco para mim é um bom sinal. Sinal de que tenho trabalho a fazer. Uma tela a preencher ou uma folha para colorir. Quem cria adora algo em branco para que possa pôr em prática as usa convicções, sejam elas profissionais ou não. Sinceramente, nunca tive um branco da forma como perguntou, daqueles bloqueios momentâneos que geram medo. Te falo até que é o contrário, a cada simples bate-papo com o cliente ou mesmo num briefing detalhado, eu preciso entender DE FATO todos os atores da questão exposta e, quando isso acontece, na hora, surgem uma, duas, três ideias para resolver a situação. De onde vem isso? Sinceramente não sei, mas sempre me lembro de gente ruim produzindo coisa ruim o tempo todo e achando que faz bem. Justamente por isso, me sinto na obrigação de ter muitas ideias o tempo todo, para que, dessas, pelo menos uma salve o job e me mantenha a honra.






















DUAS MARCAS RECENTES CRIADAS POR MARCELO

O design está cada vez mais em alta. O que você acha disso? E qual a sua opinião sobre o ‘design thinking?’

Pensar de forma ampla deveria ser obrigação não só dos que criam, mas de todo ser racional. Infelizmente isso está longe de ser um fato, principalmente aqui no interior, então, valorizar a turma que faz isso acaba sendo algo natural, como se eles estivessem à frente, fossem realmente especiais, mas para mim, em via de regra são apenas pessoas atentas e que se permitem uma visão crítica mais aprofundada e liberta. Sem amarras o ser humano vai longe, mas ele mesmo faz questão de criar as suas próprias amarras o tempo todo, sejam elas intelectuais, amorosas, familiares ou profissionais. Não há nada que eu pense, que eu não tente integrar num bom sistema de fluxo de trabalho, com salubridade para a equipe, para o cliente e que possibilite a maior rentabilidade possível. Olhar 100% das vezes para o todo antes do específico nos faz tomar melhores decisões, mesmo que por vezes isso não pareça necessário.


Qual a sua obra/projeto mais inovador até hoje? Por quê?

Sem dúvida é o sistema de gestão de equipe que tenho na Commproject/Commgroup. Tudo flui sempre, sem stress, com um altíssimo índice de aprovação e consequentemente satisfação do cliente, num ambiente descomplicado e com um tráfego de opiniões e informações livre daquelas vaidades bestas, típicas de criativos inseguros. Lá a ideia ruim é ruim e pronto. O pai, ao invés de tentar agarrá-la e defendê-la, vai rir dela e partir para outra, sem nunca achar que dependia daquele malfadado insight para viver ou ganhar prêmio. Gosto realmente desse sistema e ele funciona muito bem. Os meus demais projetos, são todos um festival de mesmas coisas, travestidas de inovação, modernização, ou outros termos em inglês que reflitam isso aí. Fiz muitas campanhas, mais de 200 projetos de marca, sendo a maior parte delas boas e outras nem tanto, fiz ilustrações interessantes, mas nada que eu considere inovador de verdade. Para mim, usar o termo inovar é um perigo, requer lucidez e muita visão global, típica dos grandes curadores normalmente ligados a arte, que conseguem de fato, distinguir o inovador relevante do diferente gratuito.


Responda sem pensar: uma pessoa, um filme, uma música, um momento, um sonho.

Oooopa, sem pensar é comigo mesmo! Meu pai. Um sonho de liberdade. My Way. A adoção do meu cachorro, o Feliz. Continuar vivendo sem ter que baixar a cabeça para ninguém, como fiz até hoje.


O que vale a pena na vida? Dá para responder sem ser clichê?

Um propósito bem definido. Uma boa busca por ele. Poder trilhar esse caminho sem prejudicar ninguém. Minha família, meus cachorros, minhas viagens, as memórias que revivo cotidianamente dos lugares em que estive e das experiências que vivi, enfim, acho que é por aí o segredo do negócio todo. Mas rolaram uns clichês né?


Água com gás sabor cerveja, maçã e pêra com sabores de bacon e torresmo já seriam um bom começo, mas se isso fosse pedir demais, eu focaria em criar um novo padrão estético, onde os gordos fossem a referência a ser seguida. Isso sim seria um tapa na cara da sociedade e um afago na saciedade


Desafio criativo. Faça uma frase juntando as palavras ‘cachorros’, ‘arma’ e uma terceira palavra que comece com a sílaba ‘co…’

Se eu não tivesse uma “arma”, os “cachorros” teriam me matado. “Coé!” Não acreditou mesmo nisso né?


Muito obrigado, Marcelão! E Feliz Aniversário!


*entrevista publicada originalmente em 14/03/2018 em absurda.co

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