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Foto do escritorRaul Otuzi

a_bsurda entrevista Leonardo Castelo Branco, escritor e roteirista

Atualizado: 5 de jul. de 2020

Conheci Leonardo Castelo Branco quando eu trabalhava como redator na ETCO, lá se vão mais de dez anos. Eu já era macaco velho na propaganda, ele era apenas um garoto, mas um garoto cheio de talento. Entrou como estagiário na redação e seus títulos, com raciocínios inteligentes, logo chamaram a minha atenção. “Que moleque bom”, eu pensava.

Quando começamos a trocar ideias, principalmente sobre poesia, fiquei impressionado com o repertório dele, com a sua visão de mundo.


Nós nos aproximamos através de versos, rimas, ritmos e cadências.




Nossa relação ali não durou muito, eu saí da agência pouco tempo depois, mas graças às redes sociais (viva!) não perdemos contato. Fiquei acompanhando sua carreira de longe, vibrando com suas conquistas, me deliciando com seus textos delicados e suas frases cortantes e precisas. Léo é um grande frasista. Mexe com o coração e mente da gente com observações como essa:

“Sorrir por fora e administrar uma guerra por dentro”.

Ou essa:

“Funk é filme pornô pra cego”.

Mais uma:

“Tantos erros novos e a gente se empenhando em repetir os antigos”.

Sua sensibilidade é foda.

Quando terminei meu primeiro romance: “Cenas de um Casal Publicitário ou qualquer outro nas galáxias”, o convidei para fazer o prefácio. Eu queria alguém jovem com generosidade e brilho criativo. Ele extrapolou e me brindou com um trecho assim:

“Comecei a leitura achando que encontraria um relato bem-humorado sobre a vida moderna e terminei questionando minha própria existência e se realmente estou seguindo aquilo que eu almejava quando tinha 21 anos. E fiz isso com um sorriso no canto da boca”.


Léo escreve muito. Sou seu fã. Como se tivesse mais de 50 anos de estrada (ele tem 30 e pouquinhos de vida), escreveu o “O Colecionador de Emoções – A vida de Oscar Maroni”, que retrata a vida do empresário da noite paulistana, dono do Bahamas.

Ele é roteirista também. É dele o premiadíssimo curta “À margem de nós mesmos” da diretora Luiza de Andrade.

Leia a crítica aqui.

Bem, eu poderia falar muito mais de Léo, mas prefiro que você saiba mais dele por suas próprias palavras. Antes, um comentário final. O cara é a prova viva de que a poesia amadurece, enternece, engrandece.

Como é gigante o meu amigo Léo. Confira:


1. Qual a importância da sua família, do seu pai na sua formação criativa?

Antes de falar da família, preciso fazer uma introdução. No ginásio, eu era um péssimo aluno, só ia bem em redação. No fim da oitava série, fui incentivado pelo professor de português a ler grandes poetas brasileiros como Augustos dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade e Paulo Leminski. Gosto de pensar que foi minha primeira formação de caráter. Se minha vida fosse um filme, seria a virada do primeiro ato. Cheguei no colegial com a certeza que seria escritor.


LÉO COM O PAI, CARLOS CASTELO. AQUI JAZ – O LIVRO DOS EPITÁFIOS. (1996). LÉO AUTOGRAFANDO O COLECIONADOR DE EMOÇÕES (2017)

Sabendo disso, meu pai começou a analisar mais friamente o que eu escrevia. Mas fazia isso como escritor, não como progenitor. Era bastante duro e crítico.  Mas foi aí que aprendi a ser mais exigente, não estacionar na primeira ideia e sempre reler o texto em voz alta. E minha mãe teve um papel imprescindível nisso: me ensinou que pouco adianta um texto criativo com erros gramaticais.

Pequenos detalhes que fazem grande diferença.


2. O que te inspira? Qual artista você acha mais inovador? Por quê?

O que mais me inspira é o cotidiano, a vida real. Você não escreve bons diálogos se não presta atenção em como as pessoas conversam entre si. Não escreve boas cenas se não se ligar no mundo a sua volta. É preciso colocar um pouco de realidade na poética, ou um pouco de poética na realidade. Escritores são as antenas do mundo, por isso o trabalho de campo é fundamental.

Artista mais inovador? Puxa como é difícil pensar em um só. De cara me vem à mente Stanley Kubrick. Seu nível obsessivo de atenção aos detalhes é algo que tento trazer pro meu trabalho. Sua produção relativamente escassa levou a uma consistência absurda entre cada um de seus filmes. Sou fã de tudo que o Kubrick representa, mas, o que mais me encanta, é o seu amor máximo ao cinema.

Ainda no audiovisual, os coreanos merecem menção. Pra mim, são eles quem melhor contam histórias através de imagens atualmente. O diretor Jee-woon Kim, só pra dar um exemplo, é mestre em fazer o espectador ficar pregado na cadeira.

No campo da literatura, tenho pirado muito no Reinaldo Moraes. Li Pornopopeia, Tanto faz e Abacaxi em menos de 15 dias. Seus personagens sempre são amorais e anárquicos mas, ao mesmo tempo, dotados de personalidades profundas e repletas de significados. Além dele tenho dado chances pra escritores clássicos que ainda não tinha lido, como Jorge Amado e Euclides da Cunha.

3. O que faz mais a sua cabeça? Ser poeta, escritor, redator ou roteirista? Por quê?

Tudo o que envolva escrita. Ando com quatro cadernos na mochila, um pra cada projeto que estou trabalhando no momento.


4. Você escreveu o livro “O caçador de emoções – a vida de Oscar Maroni”. Como foi o processo? Qual foi o seu maior desafio?


O processo foi penoso, mas valeu a pena.  O maior desafio foi ter a certeza que o trabalho estava finalizado. Como era o meu primeiro livro, rolou um frio na barriga. Foi aí que aprendi que no trabalho de escrever, o frio na barriga é muito importante. Tirei a motivação daí.  No final, o livro teve uma boa aceitação e a repercussão foi bem maior do que eu imaginava.


5. Você é o roteirista do premiadíssimo filme “À margem de nós mesmos”. Como surgiu a ideia? Você esperava uma repercussão tão positiva?

A ideia veio da Luiza de Andrade, a diretora. Meu desafio foi colocá-la numa estrutura dramática para cinema. Sobre a repercussão, não esperava, não. Por ser um filme abertamente gay, o que mais me deu prazer foi ter sido selecionado em festivais no Marrocos, Romênia e Índia, países onde ser gay é um tabu bem maior do que aqui no Brasil.  Isso fez todo esforço valer a pena.



Também tenho um carinho especial pelo prêmio de Melhor Direção no New Renaissance Film Festival, hoje tido como o maior festival de cinema gay do mundo.  O prêmio abriu as portas para que começássemos a trabalhar no nosso primeiro longa-metragem.




6. Além de criar roteiros, filmes e poemas, você cria frases incríveis que fazem pensar e sentir. De onde você tira suas ideias?

Como falei acima, do dia a dia. A realidade muitas vezes supera a ficção. Ando muito, por São Paulo inteira, e vou anotando um monte de devaneios desconexos que, muitas vezes, viram boas frases.

Nota do entrevistador: Vejam estas, por exemplo, que pincei do facebook dele: 

o tempo é o melhor remédio. mas o gosto é amargo pra caralho.
tem coisas que quebram sem fazer barulho. o coração, por exemplo.
querida intuição, você tinha razão.

7. Toma lá, dá cá: Um livro, um filme, uma música, um objeto, um sonho.

Livro: Formas Breves – Ricardo Piglia

Filme: Uma mulher Fantástica

Música: Depeche Mode –  John the Revelator

Objeto: minha câmera

Um sonho: passar um tempo viajando pelo mundo e escrevendo sobre a experiência


8. Quais são os seus próximos projetos?

Tenho alguns. Estou trabalhando no meu primeiro longa, é sobre uma ativista aqui de São Paulo.  A história começa nos anos 1980, passeia pelo fim da ditadura e vai até o meio dos anos 1990, passando pelo fiasco do Plano Collor, época muito pouco retratada pelo nosso cinema.

Também estou lançando, em parceria com uma fotografa, um projeto sobre mulheres que vieram para São Paulo realizar um sonho e conseguiram. O nome do projeto é Girls X City, e logo logo tá no ar.


9. Se você fosse Deus, o que criaria?

Um mundo mais justo.


9 ½. Desafio. Faça uma frase juntando: “poesia”, “tumulto” e uma terceira palavra à sua escolha, que comece com a sílaba “ex…”

A poesia é um exemplo de tumulto mental que deu certo.


 Uau, muito obrigado, Léo. Vida longa à sua poesia!


*entrevista publicada originalmente em 29/03/2018 em www.absurda.co


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