top of page
  • Foto do escritorRaul Otuzi

a_bsurda entrevista Cordeiro de Sá, criativo e professor

Atualizado: 5 de jul. de 2020

Tive o prazer de encontrar Cordeiro de Sá no UNICOC. Éramos professores de Publicidade e Propaganda lá, acho que isso faz uns bons dez anos. Logo de início, a sua simpatia e energia positiva me impressionaram (ele emana uma mistura de paz e alegria como poucos).



Eu já o admirava pela criatividade, pelo talento em ensinar e ajudar as pessoas. Sá era muito bem falado entre os alunos, tinha prestígio e reconhecimento, porque estava sempre pronto a dar uma palavra de incentivo e abrir novas trincheiras quando um problema aparentava ser sem saída.


Era bom demais observá-lo orientando os garotos da Agência Escola da faculdade. Aprendi bastante com seus apontamentos precisos e provocativos.


Algum tempo depois, ele começou a trabalhar com direção de arte em filmes, foi assessor político e se enveredou por outros trajetos e projetos. Vou destacar aqui: “Malu – histórias de uma trans”, uma HQ que combinou cartum, fotografia e muito respeito por um público sempre marginalizado, e também “A Ema e o Sonho”, uma fábula para crianças que vinha com dedoches, para envolver os adultos na brincadeira.





SÁ E UM DOS SEUS DEDOCHES

Ou seja, Sá consegue transitar em universos díspares com uma habilidade tremenda, como se fosse a coisa mais natural do mundo. O ponto em comum para essa conexão? A criatividade, é claro.

Além de se dedicar a várias atividades e continuar dando aulas (ele leciona na UNIFRAN e Estácio), atualmente Sá inaugurou um canal no YouTube, onde fala de processos criativos, dá dicas de como ter ideias, enfim discorre sobre criatividade, em sua essência.


Olha que bacana o canal dele aqui: 




Nesta entrevista, Sá fala sobre sua infância, obras, bloqueios e muito mais.

Leia e aprecie. O cara é do bem de verdade e tem a verve pra lá de criativa.


1. Como foi sua infância, Sá? Até que ponto teve influência em sua criatividade?

Ah, a minha infância…  Minha infância foi quase um inferno. Via meu pai um final de semana ou dois por ano e o que ele mais fazia era me irritar. Era o jeito dele brincar. Quando eu tinha cinco anos, minha mãe se mudou para a casa de minha avó para cuidar dela junto com uma tia que tinha sérios problemas emocionais. Enquanto minha mãe trabalhava dia e noite para sustentar todo mundo, essa tia vivia me judiando, ou era tortura psicológica ou era sentando o reio mesmo, a maioria das vezes sem motivo e todas as vezes, sem justificativa. Para piorar, minha mãe não me deixava sair de casa, pois tinha medo de que acontecesse alguma coisa ruim (Quá!) e então, por exemplo, fui ter bicicleta só com 15 anos!

Mas nem tudo era dor e sofrimento. No meio de tudo isso tinha coisas legais, tinha a TV, com a Vila Sésamo e com Daniel Azulay, tinha muito papel e canetas em casa, tinha meus hominhos que eu comprava no doce de banana triangular ou que vinham de brinde nos salgadinhos Elma Chips e nas datas muito, muitíssimo, especiais tinha um Falcon ou um Comandos em Ação.

Como eu morava numa casa com um baita quintal, cheio de cachorros e galinhas, eu criava os meus mundinhos paralelos.


OLHAR CRIATIVO, ALMA DE MENINO

Logo, ser criativo foi uma questão de sobrevivência física e mental. Foi um diferencial que aprendi a cultivar porque as pessoas achavam bacana eu saber desenhar “tão bem para a idade” e ser tão curioso sobre tudo.


2. E a sua trajetória profissional? Formação, empregos, projetos, enfim como você mergulhou na área criativa?

Meu primeiro desenho foi um solzinho, aos dois anos de idade. Eu o tenho na parede. Desde pequeno eu me entendia trabalhando com criação, em qualquer área que fosse. Eu dizia que queria ser engenheiro, mas pensava em construir casas paras as pessoas serem felizes dentro dela, pensava em cidades que funcionavam direitinho… queria mesmo era ser arquiteto urbanista. Um viva para os kits “Pequeno construtor” que tinha lá na pré-escolinha da Vila Santana!


3. Ilustrador, arquiteto, professor… em que área você se sente mais à vontade? Por quê?

Na boa, eu gosto de tudo o que faço. Procuro me divertir fazendo, sempre, tento transformar qualquer angústia ou indignação em bom trabalho – creio que até por isso, eu trabalhe bem sob pressão. Ultimamente, tenho me chateado muito com a vida acadêmica, já que transformação da universidade em fundos de investimento S.A. deturpou o processo de ensino-aprendizado e as coisas estão perdendo um pouco a graça. Mas enquanto isso não muda, já estou me aventurando no YouTube, procurando continuar transferindo conhecimento e estimulando o debate, ao levar minha viola onde o povo está.

 


ILUSTRAÇÃO PARA A UNIFRAN

4. Você já escreveu para o público adulto: “Malu – histórias de uma trans” e para crianças com o livro infantil “A Ema e o Sonho”. Como você explica abordagens tão distintas? Essa versatilidade vem de onde?


Então, eu penso que não são abordagens distintas, mas sim, o reflexo da tentativa de tornar simples dois assuntos bem complexos. Para discutir a questão do preconceito contra o povo LGBT, fiz a Malu em formato de quadrinhos, misturando cartum e fotografia.



SÁ – FOTO DE FABIANO CRUZ


Para levar aos adultos a essência do que eu creio ser a ação criativa, escrevi A Ema e o Sonho, uma fábula para crianças e tentei envolver o livro com outros elementos, como dedoches, para fazer com que as gentes grandes tivessem que se envolver também com a história ao brincar com os pequeninos e, assim, refletir sobre suas próprias vidas e sonhos.


Sobre a versatilidade, eu penso que é apenas a necessidade de buscar uma porta de entrada para semear uma ideia e também de abrir o leque de alternativas e possibilidades de que mais gente possa entender e desejar o que estou querendo dizer ou inventar.

5. Quais são seus principais bloqueios? Há um segredo para tirá-los de letra?

Penso que meu principal bloqueio é a autocrítica cruel. Eu me cobro demais pra chuchu. Apesar de tentar sempre transformar o limão em limonada, isso me custa muito caro internamente. Para equilibrar esse conflito eu procuro relaxar, meditar fazendo meu Daimoko (nam-myoho-rengue-kyo, nam-myoho-rengue-kyo, nam myoho…) e tomar banho todos os dias no quintal, chuva ou sol, frio ou calor, no meio dos meus bichos e plantas.


6. Qual a coisa mais inovadora você já fez até hoje?

Difícil dizer, nunca parei para contabilizar isso. Nunca encarei a criatividade como um Professor Pardal ou um Thomas Edison.

Penso que em vez de fazer uma Itaipu, a questão energética do Brasil seria melhor resolvida com pequenas hidrelétricas espalhadas por todo o país. Então, levo a vida desse jeito, buscando ser criativo o tempo todo, solucionando um problema de cada vez.

Talvez pudesse citar a própria Malu, que foi a primeira graphic novel brasileira– provavelmente mundial – impressa e distribuída gratuitamente a tratar a questão da transexualidade de forma séria, livre de preconceitos e julgamentos moralistas.


UMA PEQUENA MOSTRA DE MALU


7. O quanto estudar e ensinar criatividade contribui para você ser mais criativo?

Quando a turma de estudantes é interessada (o que infelizmente tem saído de moda nas universidades) o bacana é que os questionamentos me fazem pensar e geram insights. Então, estudar é legal, pois a gente se preenche de saberes, mesmo os inúteis – todo dia eu procuro uma inutilidade para aprender e com isso, já fiz várias coisas legais, como dividir uma banana em três gomos com uma simples dedada, tocar serrote com arco de violino ou fazer bolhas de sabão com mais de um metro de diâmetro, por exemplo. Ensinar é buscar no outro a base para transmitir sua mensagem, é criar coletivamente uma nova mensagem, se abrir ao desafio. Então, também é uma enorme e gratificante massagem cerebral!


8. Qual é a dica mais valiosa que você pode dar para quem quer desenvolver a criatividade?

Desenvolva sua curiosidade até o seu limite… e vá além.


9. Um ilustrador, um filme, um lugar, um beijo, um sonho.

Simon Bisley (Lobo!) – tenho a felicidade de ter autografado um quadrinho que mudou minha forma de ver a arte e o mundo, por consequência.

RoboCop original – sério. Já assisti 29 vezes, no cinema, em VHS, DVD, Internet, Netflix, Sessão da Tarde e contei cada uma delas. Sei todas as falas e deixas.

O fundo do mar – na verdade eu mergulho porque queria mesmo era poder voar como o Super-Homem.

O que dei em Jesus antes de traí-lo, quando fiz o papel de Judas na Paixão de Cristo. Só aceitei o papel porque o Renato Andrade fez o Barrabás!

Além de voar como o Super-Homem, queria poder soltar raios como Lord Raiden.



ILUSTRAÇÃO PARA O MEU CONTO: “DE BAR EM BAR, A VIA CRUCIS DE UMA AMIZADE QUE FOI PRO BELELÉU”, DO LIVRO TRISTES FINAIS PARA COMEÇOS INFELIZES.

9. Se você fosse Deus, o que criaria?

Se eu fosse Deus eu criaria um sistema que me permitiria falar com pessoas do meu passado, trocar ideias e pedir para que elas me mandassem, pelo Correio, toda a sorte de pequenas coisas e informações que eu perdi no tempo.


10 ½. Desafio. Faça uma frase juntando “Amor”, “tubarão” e uma terceira palavra à sua escolha que comece com a sílaba “ci”.

Encontrei seu coração riscado no cimento: puro amor na cor de tubarão.


Vida longa à sua criatividade e espontaneidade. Muito obrigado, Sá!


*entrevista publicada originalmente em 20/04/2018 em www.absurda.co

10 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page